O humorista Léo Lins quebrou o silêncio nesta quinta-feira (5), após ser condenado a oito anos e três meses de prisão por falas consideradas criminosas durante seu espetáculo de stand-up “Perturbador”, publicado no YouTube em 2022. A sentença judicial classificou as piadas como discurso de ódio, destacando que o conteúdo “estimulou a propagação de violência verbal na sociedade e fomentou a intolerância”. 544x3b
Em uma live de aproximadamente 15 minutos, Léo Lins se apresentou sem a tradicional persona cômica e falou como cidadão, tentando demonstrar surpresa e indignação diante da decisão judicial. “Aqui é o Leonardo de Lima Borges Lins, não o comediante Leo Lins. Esse vídeo não é uma piada. Estou em casa, com meus gatos, tentando entender essa sentença”, iniciou o humorista, com semblante abatido.
Lins afirmou que se debruçou sobre a decisão antes de se pronunciar publicamente. “Antes de me pronunciar, eu quis ler toda a sentença da juíza que condenou um humorista, no caso eu, há mais de 8 anos de prisão e uma multa de quase 2 milhões”, disse, enfatizando o impacto e a gravidade da condenação.
O humorista criticou duramente o que chamou de “fragilidade intelectual” da fundamentação jurídica da sentença. “Sabe qual foi um dos embasamentos teóricos da juíza que me condenou? A Wikipedia. Isso não é uma piada”, disparou.
A decisão foi proferida pela 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo, em primeira instância, após denúncia do Ministério Público Federal (MPF). No espetáculo “Perturbador”, Lins fez piadas com negros, idosos, obesos, pessoas soropositivas, indígenas, nordestinos, judeus, evangélicos, pessoas com deficiência e LGBTQIA+.
A Justiça considerou agravante o fato de as declarações terem ocorrido num ambiente de descontração — um show de comédia, com plateia, transmitido na internet e que ultraou três milhões de visualizações antes de ser retirado do ar por decisão judicial.
Durante o vídeo, Léo Lins disse acreditar que sua condenação representa um problema que transcende o caso individual. “Estamos vivendo uma das maiores epidemias dos últimos tempos: a da cegueira racional. Ninguém quer mais ouvir o próximo. Julgam só pela emoção”, afirmou. O humorista criticou a alegada incapacidade do Judiciário de separar a ficção da realidade: “Se um personagem pode cometer crime, podemos então prender a atriz que faz a vilã da novela ou o ator que interpreta um vilão no cinema”, argumentou.
Ele também usou uma metáfora para definir a sociedade atual: “Cada grupo vibra quando vê um suposto adversário cair. Enquanto isso, os imperadores assistem de camarote, invioláveis e intocáveis”.
Na transmissão, Léo Lins reforçou a ideia de que o conteúdo do espetáculo foi apresentado por uma persona cômica de natureza ficcional, e não pelo cidadão Leonardo Lins. “Talvez nem todos saibam, mas o humorista num palco interpreta um personagem, uma persona cômica. Na construção do texto nós utilizamos figuras de linguagem, hipérbole, metáfora e ironia numa licença estética e, portanto, uma análise literal desse texto não se aplica na estrutura do cômico”, explicou.
O humorista também ressaltou que seus espetáculos sempre incluem avisos sobre o caráter artístico da apresentação: “Show de humor, apresentação de stand-up comedy, obra teatral, ficção, você está entrando em um teatro, está em um canal do humorista Leo Lins”, exemplificou.
Léo Lins fez críticas contundentes ao que considera uma tendência autoritária. “Estamos virando uma sociedade de adultos infantilizados, que precisa do Estado para decidir do que pode rir, o que pode falar e até, um dia, o que pode pensar”, afirmou. O humorista ainda ironizou: “Provavelmente quem desviou bilhões do INSS só ouviu piada de idoso. A culpa não é deles, é do riso”.
Lins afirmou acreditar que a sociedade está cada vez mais despreparada para lidar com divergências e interpretações. “Parece que as pessoas perderam a capacidade de interpretar o óbvio. Estamos vivendo uma das maiores epidemias dos últimos tempos, a da cegueira racional. Os julgamentos são feitos puramente baseados em emoção e ninguém quer mais ouvir o próximo, quer no máximo convencê-lo da sua própria verdade. Isso pode trazer consequência para qualquer pessoa, mas no caso de um juiz, de uma juíza, pode trazer consequências gravíssimas”, reforçou.
Em tom mais ameno, ao final da transmissão, Léo Lins agradeceu o apoio recebido de familiares, colegas de profissão e parte do público, citando nominalmente o também humorista Danilo Gentili.
“Agradeço aos colegas, familiares, aos humoristas, juristas, jornalistas. Eu recebi milhões, milhares de mensagens. Confesso que foram foi acima da minha expectativa as pessoas que estão se posicionando a meu favor e claro, a vocês, as milhões de pessoas que acompanham o meu trabalho. Eu sempre falo que vocês são muito importantes para mim e me dão força para continuar seguindo em frente", disse.
Antes de encerrar, deixou uma mensagem otimista: “Eu tenho fé que no fim vai dar tudo certo, até porque se rir virou crime, o silêncio virou regra”. Assista ao vídeo clicando aqui.